JICTAC/UFRJ-2015
Davi Tichiriã
Felix de Almeida
Resumo: Segundo
Anne-Marie Pelletier, a Bíblia não foi escrita e inscrita apenas em uma
conjuntura histórica que explica seu sentido. Ela também se vê às voltas com a
história que, posterior ao texto escrito, constitui a sequência de suas
releituras e de sua recepção. Nesse processo de interpretação incide também, de
geração em geração, o sentido das Escrituras. Da mesma forma, o trabalho
hermenêutico já se percebe, desta vez, na origem das palavras que lemos, nas
releituras e revisões dos registros e da experiência que geraram, desde o
Primeiro Testamento, o texto bíblico.
A grande oportunidade de nosso momento atual é a de receber da
hermenêutica filosófica e da lírica literária importantes contribuições para
aclarar tais realidades — estas últimas, aliás, foram sensíveis às gerações
antigas de leitores da Bíblia. Assim, na senda dos pensamentos ou práticas contemporâneas
como as de H.-G. Gadamer, P. Ricoeur ou R.Alter, a exegese bíblica abre-se a
dimensões negligenciadas da história e do sentido. Ali se encontram, no seio de
nossa modernidade, as vias de acesso para uma “leitura integral” das
Escrituras.
A Bíblia Hebraica é, na prática, uma obra aberta. O conceito de
“obra aberta” de Umberto Eco, que designa a obra artística, é aqui empregado
para entender como pôde a Bíblia Hebraica sobreviver por séculos, sendo lida e
apreciada por milhões de pessoas, não necessariamente judias. Em razão da
estrutura poética da linguagem usada em muitas partes dos textos bíblicos, eles
são “abertos” e podem ganhar novos significados a cada geração. Ser “aberto”
significa admitir muitas possibilidades de significado para o mesmo texto.
Destacamos uma possível “origem” dessa dialógica, a fim de
demonstrar que uma “leitura integral” combina de fato a “fé” (o conhecimento
sensível, segundo BOAL) e a razão (o conhecimento simbólico), num constante
processo de diálogo onde um entendimento entre as partes é, de fato, possível.
Deixando em evidência a Bíblia, como fonte artística de intelecção de seu
tempo, de seu mundo e do mundo contemporâneo, “extra-bíblico”, a partir de si
própria: uma visão de certo subjetiva, mas que se faz concreta (e, portanto,
objetiva), como toda obra de arte.
O objetivo deste trabalho é a Bíblia Hebraica (o texto bíblico)
como fenômeno estético, focando-se nela como fenômeno criativo, inovador e,
sobretudo renovador (CHWARTZ), posto que ao ressignificar-se constantemente,
seus contextos, ao serem enxertados em outros, análogos ou não, fazem com que,
dentro de seus limites como obra, ela se expanda e se flexibilize, através do
papel ativo de seus leitores como intérpretes e re-escritores – os quais fazem
dela, portanto, uma obra de arte de engajamento (ADORNO e HORKHEIMER), sob a
égide da “regra de fé e de prática”.
Referências
bibliográficas
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
BOAL, Augusto. Estética
do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2001.
CHWARTS, Suzana. Via
Maris – Bíblia Hebraica: Textos e Contexto. São Paulo: Humanitas, 2014.
______. Do Estudo Acadêmico da Bíblia Hebraica. In: Revista de Estudos Orientais. Departamento
de Letras Orientais. FFLCH: USP. Campinas: Santos e Caprini. Número 6, 2008.
p.39-43.
EAGLETON, Terry. Teoria
da Literatura: uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
ECO, Umberto. Obra
Aberta. São Paulo: Perspectiva, 2013.
MALANGA, Eliana Branco. A
Bíblia Hebraica como obra aberta: uma proposta interdisciplinar para uma
semiologia bíblica. São Paulo: Associação Editorial Humanistas: Fapesp, 2005.
PELLETIER, Anne-Marie. Bíblia
e Hermenêutica hoje. São Paulo: Loyola, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário