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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sábado, 12 de julho de 2008

Os mitos de origem: Quando a ciência e a religião chegam a conclusões parecidas

O que havia antes do tempo


Em busca das origens do universo, cientistas e religiosos chegam a algumas conclusões muito parecidas


Algumas questões povoam a mente humana desde que os primeiros clãs se reuniram em torno da fogueira na savana africana. A mais intrigante delas é a busca pelo começo de tudo. Como foi criado tudo à nossa volta – e nós próprios, de onde surgimos? Ao olhar para o céu, dominado durante o dia pela bola dourada do Sol e, à noite, pontilhado de luzes, o homem primitivo encontrou elementos para especular. De forma instintiva, ele estava buscando respostas na porção visível do cosmo. É curioso que seja também no céu que a ciência moderna tem procurado respostas para as mesmas dúvidas primordiais da humanidade. Na maioria das culturas humanas, se não em todas elas, questões dessa natureza foram respondidas com o desenvolvimento do pensamento simbólico. Os povos antigos vislumbraram na natureza – no Sol, na Lua, nos trovões – entidades maiores e mais poderosas, capazes de interferir nos acontecimentos e destinos. Rituais foram criados para reverenciar e apaziguar essas entidades. Estavam criadas as religiões, que muitos estudiosos acreditam ser a gênese da civilização.


O mito da criação do universo e de tudo o que ele abriga está na base de todas as religiões. O homem atual muitas vezes despreza ou ridiculariza os mitos da criação porque eles trazem explicações diferentes daquelas oferecidas pela ciência. É preciso considerar, contudo, os cenários e as etapas do conhecimento humano em que esses mitos foram criados. Não faz muito tempo, os cientistas acreditavam que a Terra era plana, encontrava-se no centro do universo e tinha apenas 6 000 anos de existência. Não é que nossos antepassados fossem privados de curiosidade científica ou de raciocínio dedutivo. Ocorre que os mitos da criação surgiram em períodos nos quais muito pouco se sabia sobre as leis da física ou da química.


O dado surpreendente é que os pensadores do passado e os cientistas modernos chegaram a conclusões que, em última análise, são bastante similares. Cristãos, judeus, hindus, astecas e egípcios situam a criação num único momento inicial, ocorrido sob a vontade divina. Cientistas modernos, armados com as leis da física e a tecnologia de exploração espacial, também colocam a criação do universo num momento único, o Big Bang. Ele consistiu na súbita expansão de uma única partícula, uma bola de energia e matéria do tamanho de um bilionésimo de um próton. Esse elemento original é de tão difícil compreensão que é chamado de uma singularidade. O Big Bang, do qual temos conhecimento há poucas décadas, pode muito bem ser descrito pela primeira frase do Gênesis: "No princípio, Deus criou o céu e a Terra".


A semelhança entre a singularidade, a partícula que deu origem ao universo, e o pensamento de grandes teólogos chama atenção. Santo Agostinho, o maior dos pensadores católicos, vislumbrou no século IV um cenário bem próximo das explicações científicas sobre o que existia antes do Big Bang. Quando os fiéis perguntavam aos bispos de seu tempo o que Deus fazia antes de criar o céu e a Terra, recebiam a seguinte resposta: "Ele fazia o inferno para quem descrê dos mistérios da fé". Agostinho recriminava os bispos por darem uma resposta aparentemente tão profunda, mas que, para ele, refletia apenas a arrogância da ortodoxia. E saiu-se com a resposta que resvala na ciência: "Deus não fazia nada". "Mas então Ele passava o tempo todo de papo para o ar?", era a réplica mais freqüente. "Não", dizia Agostinho, "o tempo não existia." Antes da expansão da singularidade, diz hoje a teoria do Big Bang, não havia o espaço, as forças da natureza – nem o tempo. Glória a Santo Agostinho!


Nas últimas décadas, à medida que as sondas e os telescópios encontravam mais evidências do Big Bang pelo cosmo, muitos cientistas chegaram a se vangloriar de um falso feito. Uma vez que a física já explicou como nasceu o universo, não haveria mais lugar para deuses e mitos da criação. É notório que os cientistas consideram que em seu ofício não há lugar para o pensamento mágico. Mas, quanto mais exploram o cosmo, mais eles deparam com os mesmos mistérios de que tratam as religiões. Tudo indica que o universo nasceu com o Big Bang, mas o que existia antes dele? A resposta, tanto para os cientistas quanto para os metafísicos, é a mesma: nada. A questão é como algo pode ocupar um espaço que não existia. Após a expansão primordial, os instantes iniciais do universo foram de caos – uma sopa de energia e partículas em movimento. É uma descrição similar à dos primeiros momentos do universo feita por diversos mitos de origem, como o egípcio e o hindu.


As soluções científicas modernas para o nascimento do universo, a origem da vida e o surgimento da humanidade muitas vezes parecem extraídas de passagens bíblicas. O paleontólogo e pensador evolucionista Stephen Jay Gould, que lecionava na Universidade Harvard, embora ateu, especulava se o dilúvio bíblico não seria uma lembrança de uma grande transformação geológica ocorrida na Terra há 13 000 anos. O fato de as metáforas religiosas guardarem tantas semelhanças com as descobertas recentes da ciência talvez reflita os limites da capacidade da mente humana de lidar com assuntos dessa magnitude. Dado determinado problema, pode-se chegar a conclusões parecidas com instrumentos científicos ou simplesmente pelo raciocínio dedutivo, como fez Santo Agostinho. A diferença básica entre ciência e religião está em outra esfera: como entender a relação entre causa e efeito. Albert Einstein dizia que Deus não joga dados com o universo, ou seja, que as coisas não ocorrem sem uma causa. Todos os ramos da ciência compartilham dessa convicção. Já o pensamento religioso acredita que a causa de qualquer acontecimento ou fenômeno pode ser, simplesmente, a vontade divina. No princípio, era a partícula. Essa partícula será Deus?


Extraído de:
Revista Veja, Edição 2066, em 25 de junho de 2008.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O renascimento de Matusalém

O Globo, Ciência, página 38, em 13/06/2008.

Semente de dois mil anos achada em Israel germina, dando origem à planta extinta

Um grupo de pesquisadores israelenses conseguiu fazer germinar uma semente de dois mil anos, a mais antiga do mundo. Em 26 meses, ela gerou uma palmeira de 1,50m de altura, que foi batizada de Matusalém — em homenagem à figura bíblica que teria vivido quase mil anos. A partir do seu renascimento, os cientistas esperam poder reproduzir espécies que remontam a tempos ancestrais e que, supostamente, teriam propriedades medicinais importantes.

O anúncio foi feito na revista científica “Science”.

A semente foi encontrada há mais de 40 anos, durante escavações numa fortaleza em Massada, construída pelo rei Herodes, no século I, na zona ocidental do Mar Morto. O local é conhecido por ter abrigado insurgentes judeus que se rebelaram contra o domínio romano em 67 d.C.

A semente que gerou a renascida Matusalém foi mantida em laboratório durante décadas, com a temperatura ambiente controlada. Mas bem antes disso, lembram os cientistas, ela permaneceu enterrada por séculos em meio às ruínas de Massada.

— A região do Mar Morto é extremamente seca e quente — explicou a pesquisadora Sarah Sallon, do Centro Médico Hadassah, em Jerusalém.

— Essa conjunção de fatores certamente ajudou a preservar essa semente.

Bíblia menciona a palmeira
De acordo com os cientistas, análises com radiocarbono confirmaram que essa é a mais antiga semente já trazida de volta à vida. Ela supera o recorde anterior, que pertencia a sementes de lótus que brotaram depois de mil anos.

— Caso a planta seja do gênero feminino, existe a possibilidade de reproduzi-la — disse Sarah, que conduziu o projeto.

A árvore foi semeada pela equipe de Sallon em 19 de janeiro de 2005, o ano novo judaico dedicado às árvores. A sua semente é originária de um tipo de palmeira — a tamareira da Judéia — que, segundo os pesquisadores, era muito comum nas margens do Rio Jordão. A planta foi dada como extinta há muitos séculos.

As análises mostraram que Matusalém compartilha metade dos seus genes com as palmeiras atuais encontradas na região. Se for possível reproduzi-la, ela pode ajudar a restaurar as espécies que formavam densas florestas no local.

Tentativas anteriores de fazer germinar sementes antigas falharam alguns dias após o plantio. Como essa experiência foi bem sucedida, os pesquisadores fizeram o teste de carbono para determinar a idade correta da semente — Inicialmente, não conseguimos quebrar as raízes para fazer a análise de forma adequada — contou Sarah. — Mas quando mudamos a planta para um vaso maior, encontramos fragmentos das sementes nas raízes que permitiram a análise com carbono.

A palmeira é descrita na Bíblia, bem como na literatura antiga, por seus poderes medicinais. A planta era conhecida como elemento de cura para várias enfermidades como o câncer, malária e até mesmo dores de dente.

Para os cristãos a palmeira representa simbolicamente a paz e é associada à entrada de Jesus em Jerusalém. Os antigos hebreus a chamavam de “árvore da vida” devido à proteína de seus frutos e à sombra oferecida por suas folhas compridas.

Preservação de recursos genéticos
Assim que Matusalém crescer mais, os cientistas vão fazer novas análises para verificar se a planta tem, realmente, algum potencial medicinal.

— A história conta que as pessoas pegavam o seu fruto e faziam bebidas que eram indicadas como remédio para várias enfermidades — revelou a pesquisadora.

Segundo Sarah, o fato de a semente se manter viável após tanto tempo pode levar a novas descobertas.

— Essa sua, digamos, habilidade de se manter ativa pode nos ajudar a entender como preservar recursos genéticos no futuro.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

'Religião é superstição infantil': Em carta a ser leiloada, Einstein diz que Deus é fruto da fraqueza humana

O Globo, Ciência, página 32, em 14/05/2008.

LONDRES

Uma carta escrita por Albert Einstein em 1954 e só agora divulgada ao público parece pôr fim ao intenso debate sobre o papel da religião na vida de um dos maiores cientistas da Humanidade.

No texto manuscrito em alemão, que será leiloado amanhã em Londres, Einstein diz que “a crença em Deus é um produto das fraquezas humanas”, uma superstição, e “que a Bíblia não passa de uma coleção de lendas primitivas e infantis, ainda que bem intencionadas”.

Ao longo de sua vida, o cientista fez algumas referências a Deus, interpretadas por religiosos como um sinal claro de sua crença num ser superior. Ateus, em contrapartida, argumentavam que essa interpretação seria leviana e que o “Deus” citado por Einstein seria uma referência às leis que regem o Universo.

A carta escrita por Einstein um ano antes de sua morte era endereçada ao filósofo alemão Eric Gutkind.

Passou os últimos 50 anos em mãos de um colecionador particular e, por isso, não era conhecida. O leilão do texto será na Bloomsbury Auctions e as expectativas é de que seja vendido por algo entre US$ 12 mil e US$ 16 mil.

A carta não deixa muito espaço para dúvidas sobre a posição de Einstein.

Nela, o criador da Teoria da Relatividade escreve: “A palavra Deus, para mim, nada mais é do que expressão e produto das fraquezas humanas; a Bíblia é uma coleção de lendas bem intencionadas, mas, ainda assim primitivas e bastante infantis. Nenhuma interpretação, não importa quão sutil, muda isso (para mim).” Einstein, que era judeu e declinou a oferta de ser o segundo presidente do Estado de Israel, também rejeita na carta a idéia de que os judeus seriam o povo escolhido por Deus.

“Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é uma encarnação das mais infantis superstições.

E o povo judeu, ao qual eu pertenço com orgulho e com cuja mentalidade eu tenho profundas afinidades, não apresenta nenhuma qualidade diferente, para mim, em relação a todos os outros povos. Até onde vai a minha experiência, eles não são melhores do que outros grupos humanos, embora sejam poupados dos piores tipos de câncer pela falta de poder. Fora isso, não consigo ver nada de ‘escolhido’ sobre eles.” A carta não é listada como fonte da principal obra acadêmica sobre o tema, o livro “Einstein e a religião”, de Max Jammer. Um dos maiores especialistas em Einstein do Reino Unido, John Brooke, da Universidade de Oxford, diz que jamais ouviu falar no texto. O porta-voz da Bloomsbury, Richard Caton, disse que a casa está “100% segura da autenticidade da carta”.

As reflexões do autor da Teoria da Relatividade sobre religião deram origem a muitas conjecturas.

Os pais de Einstein não eram religiosos, mas ele estudou numa escola católica ao mesmo tempo em que tinha aulas particulares sobre o judaísmo.

Mas o idílio religioso durou pouco. Por volta dos 12 anos, ele já questionava a verdade de muitas histórias bíblicas.

Nem sempre coerente
Ao longo de sua vida, ele fez referência a “um sentimento religioso cósmico” que permearia e sustentaria seu trabalho científico. Em 1954, ele falou no desejo de “vivenciar o Universo como um único todo cósmico”.

Ele também costumava fazer referências religiosas, como em 1926, ao declarar que “Deus não joga dados”.

E ainda, na não menos famosa frase: “A ciência sem religião é manca; e a religião sem ciência é cega.” Mas ele também disse: “Eu não acredito no Deus da teologia que recompensa o bem e pune o mal. Meu Deus criou leis que tomam contam disso. Seu Universo não é governado por pensamentos positivos, mas por leis imutáveis.” Para o especialista John Brooke, professor de ciência e religião em Oxford, a carta reforça a teoria de que “Einstein não era teísta convencional, embora também não fosse um ateu”.

— Como muitos grandes cientistas do passado, ele era meio esquisito sobre religião e nem sempre coerente de uma época para outra — afirmou Brooke.

Na análise de Brooke, Einstein acreditava que “havia algum tipo de inteligência em ação na natureza. Mas certamente não era a visão tradicional das religiões cristãs e judaicas”.

TRECHOS DA CARTA

“A palavra Deus, para mim, nada mais é do que expressão e produto das fraquezas humanas.” “A Bíblia é uma coleção de lendas bem intencionadas, mas, ainda assim, primitivas e bastante infantis. Nenhuma interpretação, não importa quão sutil, muda isso (para mim).” “Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é uma encarnação das mais infantis superstições.” “E o povo judeu, ao qual eu pertenço com orgulho e com cuja mentalidade eu tenho profundas afinidades, não apresenta nenhuma qualidade diferente, para mim, em relação a todos os outros povos. Até onde vai a minha experiência, (os judeus) não são melhores do que outros grupos humanos, embora sejam poupados dos piores tipos de câncer pela falta de poder. Fora isso, não consigo ver nada de ‘escolhido’ sobre eles.”